Durante a tarde, a minha brincadeira fazia-me alternar, frequentemente, entre o quarto e sala. De cada vez que passava de uma divisão para a outra, ouvia partes do relato do jogo Sporting - Ben... cof, cof, cof... fi... cof, cof, cof... ca, que saía do quarto dos meus pais.
Inúmeras foram as vezes, em que o tom acelerado do relato me fez passar em marcha lenta pela porta do quarto, para tentar perceber o que se passava. Depois de ouvir a palavra golo várias vezes, decidi entrar, afim de saber o resultado, pois parecia-me quase impossível que fosse sempre golo, porque isso dava muitos golos. Sentei-me na cama dos meus pais a ouvir o resto do jogo.
Era a primeira vez que ouvia um relato de um jogo de futebol, através do rádio. Lembro-me que o frenesim do relato saía do aparelho e entrava-me no corpo. Eu sentia a emoção de um jogo de futebol, mesmo sem o ver e, quando fechei os olhos, depois de mais um golo, consegui imaginar-me naquele estádio, no meio daquela multidão que festejava... E também eu festejei!
Pela primeira vez saltava e gritava por um golo do Sporting. O resto do jogo foi passado, ora de olhos fechados e a pedir só mais um golo, ora aos pulos e a gritar GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLOOOOOOOOOOOOOOO
Naquela tarde houve magia, e não foi só em Alvalade. Em minha casa a magia também aconteceu.
Aquela foi a tarde em que nasceu o meu AMOR pelo SPORTING.
ao ritual de acasalamento dos Carduelis carduelis, mais conhecidos por Pintassilgos.
Tive, hoje, o prazer de assistir, ao vivo, a pouquíssimos metros de onde estava. O ritual durou alguns (poucos) minutos, mas a dança que o Pintassilgo fazia era lindíssima e hipnotisante. A Pintassilga ficou quieta o tempo todo - deduzo que estivesse a observar, com muita atenção, o espectáculo.
O melhor ficou guardado para o fim. Então não é que, logo depois da festa ter terminado, os dois pombinhos pintassilgos foram beber água juntos!
Depois de muitos e muitos meses ausente, ontem voltei. De manhã escrevi o post e ainda aproveitei para ler alguns blogs (uns que já lia e outros novos). Já pela noite dentro, fui cuscar as novidades aqui do SAPO.
Encontrava-me a dar uma vista de olhos nos posts mais lidos, quando um deles me chamou a atenção. Na verdade, foi o seu título Será mesmo incondicional, o amor pelos filhos?(in: blog Cocó na Fralda) que me aguçou a curiosidade e me levou a ler o post.
Depois de o ler o meu pensamento fixou-se na pergunta inversa: Será mesmo incondicional, o amor pelos pais?
Até que ponto podemos amar uma mãe (ou pai) que, constantemente, nos agride psicologicamente? Até que ponto podemos amar uma mãe (ou pai) que, constantemente, nos chantageia? Até que ponto podemos amar (e confiar n') uma mãe (ou pai) que, constantemente, nos mente?
Durante muitos e muitos anos, pensamos que a culpa é nossa, porque fazemos, ou dizemos, algo errado. Quando este pensamento se torna uma constante, deixamos de dizer as coisas... mais tarde percebemos que entre fazer alguma coisa ou não fazer nada, o resultado é o mesmo - mais violência - e deixamos de tentar "agradar".
Por tudo isto e muito mais, o amor vai morrendo, aos poucos... cada dia um pouco mais.
Já quase no final do post, a Cocó escreve:
Como farão os pais quando descobrem que os filhos que amam são, contra todas as expectativas, monstros?
Que sentimentos lhes crescerão dentro do peito, como ervas daninhas? Como não sentir culpa, sentir que se falhou, que se falhou tão redondamente? Como fica, pelo caminho, o amor próprio, depois de aquilo que devia ser o melhor deles se revelar, afinal, o pior?
Como conseguir a dignidade da árvore, que se mantém inteira mesmo quando um fruto apodrece?
(in: blog Cocó na Fralda)
Eu pego nestas 5 perguntas e refaço-as:
Como farão os filhos quando descobrem que a mãe (ou pai) que amam são, contra todas as expectativas, monstros?
Que sentimentos lhes crescem dentro do peito, como ervas daninhas?
Como não sentir culpa? Como não sentir que falhámos, como filhos?
Como fica, pelo caminho, o amor próprio, depois de aquilo que devia ser o melhor se revelar, afinal, o pior?
Precisei de muitos anos para perceber o "tipo" de mãe que tive. Comecei por tentar afasta-la totalmente da minha vida, mas o saber que a sua maldade ainda magoava quem amo, impedia-me de afasta-la da minha mente.
Também precisei de muitos anos para conseguir falar abertamente acerca deste assunto... Infelizmente foi preciso um final trágico para o conseguir, mas, finalmente, consegui.
O meu amor pela minha mãe já não é incondicional... Na verdade, já não é amor. É, apenas, uma memória.