My dear friend Lelo
Sabem aquele amigo, cuja vida foi feita de aventuras e desventuras?, que conhece VIPs do mundo da moda e música e literatura e política?, que tem sempre histórias fantásticas, dos seus tempos antigos, para contar?... O meu chama-se Lelo.
Conheço o Lelo há quase vinte anos. Aparecia, todos os dias, no bar e bebia. Entrava a falar português e saía a falar inglês, porque viveu muitos anos em Inglaterra e o álcool turvava-lhe o pensamento - depois de bêbado, só conseguia pensar e exprimir-se em inglês.
Acabámos por passar muitas horas a conversar, porque eu era das poucas pessoas que conseguia ter um diálogo com ele. Ele contava-me a sua vida e eu respondia-lhe com perguntas. Ambos gostávamos daquelas conversas - eu, porque aprendia sempre algo, ele porque podia falar horas, em inglês.
Sobre o Lelo, posso dizer-vos que viveu uma vida plena, em todos os aspectos. Viveu a vida tal como quis, em cada momento. Não sei se tem arrependimentos, porque nunca me lembrei de lhe perguntar, mas se os tiver será por algo que tenha feito e não do que não fez, certamente.
Hoje o Lelo já não vive, só sobrevive.
Internado, a sua vida resume-se a estar deitado numa cama de hospital, de onde só sai, durante breves minutos, na cadeira de rodas, para fumar um cigarro, duas vezes por dia... o maldito cancro está a tomar conta dele.
Já não vejo o Lelo há duas semanas, mas todos os dias penso nele.
Obrigada por tudo, amigo Lelo!